A família dos homens frágeis
Quando a força surge de dentro das fraquezas
Quando eu cheguei à minha família, já tinha um irmão nove anos mais velho. Esse irmão, chamado Roger, aos quinze anos de idade sofreu um acidente e foi atropelado por um ônibus, o que o deixou debilitado física e mentalmente.
Nesta época, eu tinha cinco anos de idade e minha mãe era divorciada e morava só com a gente. Filhos de pais diferentes, cada um de nós tinha uma relação diferente com os pais. Meu irmão tinha o pai morando longe, em outro estado, e bastante ausente. Eu via meu pai aos finais de semana, e a ajuda que ele dava vinha só para mim.
Minha mãe precisava suprir a casa sozinha e meu irmão passou a ter muitas sequelas mentais, se tornar agressivo e até delirante. Isso levou a gente a ter que inventar formas para lidar com ele, o que não foi nada fácil, em especial com as amigas do sexo feminino, alvos principais de suas investidas.
O suporte emocional que meu pai me dava era muito grande, trazendo alguma estabilidade e até sensação de segurança para o dia a dia, ou pelo menos para os finais de semana. Porém, quando eu completei meus quinze anos, ele sofreu um aneurisma que também o deixou bastante debilitado física e mentalmente. Já aposentado, ele não teria tido muito prejuízo econômico, não fossem as contas geradas pelos hospitais e cirurgias, que acabaram se multiplicando com as complicações do caso.
Com certeza, para mim o que mais pesou foi ele ter deixado de ser um suporte emocional para balancear as coisas e passar a ser também fonte de preocupação.
Eu e minha mãe passamos a nos tornar mais próximas e a compartilhar coisas mais íntimas para dar suporte uma a outra. Do lado do meu pai, minha irmã, também com cinco anos passava, em algum grau pela mesma experiência que eu, de passar a se preocupar com o homem da casa ao invés de ser protegida por ele. Os homens, possivelmente mais fortes e provedores, não o eram nesta família e ambas, minha mãe e minha madrasta, tiveram que tomar este lugar.
Eu passei a me interessar pela psicologia e através do questionamento do que poderia ter acontecido com seus eles, me formei nesta carreira. Eu queria entender como a mente funciona, o que poderia ter acontecido com eles e até que ponto eu mesma não poderia perder a consciência também. Este era meu maior medo. Me perder de mim mesma e não ser capaz de estar presente para ajuda-los.
Na faculdade de psicologia passei a estudar transtornos graves, como a psicose infantil e o autismo e depois me inseri na Educação Infantil buscando base para o desenvolvimento "saudável" das crianças. Eu buscava compreender o funcionamento das crianças, dos adultos, das pessoas em geral, sem nunca julgá-las.
Hoje, trabalho nas duas frentes, na psicologia, com consultório particular, e na educação infantil, numa escola. O incompreensível que eles despertaram em mim gerou curiosidade e muita necessidade de conhecer e ajudar o outro em suas complexidades, dificuldades e deslizes.
Acho que a convivência com eles, a quantidade de coisas que tive que entender e abrir mão para lidar com meu irmão e meu pai e cuidar dos dois, mesmo sendo cedo demais, me fizeram muito mais sensível, com olhos e ouvidos mais abertos e com facilidade de compreender o diferente, o difícil, o frágil.
A fragilidade deles me deu força e coragem para lidar com o humano, seja ele como for, com suas maluquices e distorções mais estranhas à maioria. Agradeço muito por ainda tê-los em minha vida e por me mostrarem que mesmo com muita dificuldade é possível amar e ser feliz. E é isso que me dá forças para continuar trilhando meus caminhos com as crianças e adultos com que me deparo dia após dia trazendo suas fraquezas e fragilidades, mas que podem sair do meu consultório ou da minha turma com mais clareza sobre si mesmo e encontrando forças até mesmo dentro de suas fraquezas.